domingo, 15 de agosto de 2010

Atestado psicológico causa polêmica com médicos

Psiquiatras contestam validade do documento, enquanto lobby pela aprovação de lei instituindo ³ato médico´ reduz conceito de saúde ao que é relativo à medicina.
A regulamentação de atestados psicológicos para efeito de licença-saúde pelo CRP-06 e suaampliação para o âmbito nacional pelo Conselho Federal de Psicologia, no ano passado,poderiam ter sido apenas dois atos administrativos para disciplinar o exercício profissional do psicólogo. Em vez disso, tornaram-se uma controvérsia jurídica, que tem por trás, mais umavez, a discussão sobre o que se convencionou chamar de ³ato médico´. Com isso volta à cenao debate sobre o que é saúde e em que campo situam-se os transtornos mentais.
A polêmica começou quando um plano de saúde negou-se a aceitar o atestado fornecido poruma psicóloga, solicitando parecer do INSS sobre a questão. Em seu documento de resposta,a Divisão de Atividades Previdenciárias do Instituto afirmou que ³o serviço técnico de períciasmédicas atende exclusivamente a pareceres e exames médicos. Um exame psicológicopoderá apenas ser considerado como eventual apoio à conclusão médico-pericial´. OConselho, então, requisitou apreciação de sua assessoria jurídica. A resposta foi que alegalidade das Resoluções do CRP e do CFP é inquestionável, já que aLei 5.766/71, que criaos Conselhos de Psicologia, estabelece entre suas atribuições a de ³orientar, disciplinar efiscalizar o exercício da profissão de psicólogo´. De acordo com o mesmo parecer, ³está oConselho Regional de Psicologia da 6ª Região, no âmbito de sua jurisdição, sujeito aoordenamento jurídico que o criou, que por sua vez impõe as atribuições precípuas que µdevem¶ser exercidas e que fundamentam sua existência legal´. Por esse motivo, o Conselho enviounotificação ao INSS no sentido de que os atestados fornecidos pelos profissionais dapsicologia sejam aceitos.
O INSS, por sua vez, recorreu ao Conselho Federal de Medicina para se posicionar sobre amatéria. E, pouco tempo depois, chegou ao CFP documento da Associação Brasileira dePsiquiatria (que tem assento na Associação Médica Brasileira), em que se afirmava que,³ainda que seja verdade que muitos profissionais não médicos, inclusive psicólogos,eventualmente tenham competência técnica para elaborar diagnósticos psiquiátricos, não têmcompetência legal para fazê-lo profissionalmente...´. O documento afirmava ainda que, pelaResolução do CRP-06, ³os psicólogos podem substituir os médicos para recomendarbenefícios e conceder licença para pessoas enfermas´. Tal afirmação baseia-se no fato de quea Resolução do CRP reconhece ao psicólogo o direito de adotar como referência para opsicodiagnóstico o capítulo sobre a Classificação de Transtornos Mentais e deComportamento da CID10 - Classificação Internacional de Doenças.
Foi enviada, então, nova notificação ao Instituto, em que, além de reafirmar a legalidade e aprocedência da medida, o CRP deixa explícita a estranheza causada pelo fato de o INSS terrecorrido ao Conselho de Medicina para se manifestar sobre uma notificação de uma entidadeda psicologia e afirma também que ³é inadmissível a interferência que pretende o Conselho deMedicina exercer na disciplina e regulamentação do exercício profissional do psicólogo, a nãoser que tenha cometido um sério e incompreensível equívoco de interpretação´.
Paralelamente a isso, os Conselhos de Psicologia tomaram conhecimento de uma minuta deprojeto de lei, preparada pelo Conselho Federal de Medicina, regulamentando o ³ato médico´como sendo ³todo aquele decorrente da prestação de assistência à saúde humana que, porsua natureza, é privativo de profissional médico habilitado segundo os termos da lei´. Emboranão se tenha a confirmação de que a minuta já esteja tramitando no Congresso, suaelaboração sugere a intenção de transformá-la em lei que regulamente a matéria em todo o
território nacional.
Para Odair Sass, conselheiro-presidente do CRP à época em que foi publicada a Resolução, oepisódio nada mais é do que uma querela que tem por objetivo ³preparar o terreno´ para a aprovação do projeto que pretende regulamentar o ³ato médico´. ³Quando nós discutimos e propusemos a Resolução instituindo o atestado de licença-saúde, fazíamos uma claradistinção entre o que é psicológico e o que é orgânico e, portanto, relativo à medicina´,informou. Ao mesmo tempo, o psicólogo contesta o princípio segundo o qual tudo o que serefira à saúde é uma ³exclusividade´ dos profissionais da medicina. E lembra que, enquanto aResolução do CRP é de âmbito restrito aos profissionais da psicologia, a minuta do Conselhode Medicina pretende definir a questão em lei e, portanto, abrangendo todos os profissionaisda área da saúde, à exceção dos odontólogos.
Para ele, esse é um bom momento de se aprofundar a discussão a respeito das definições docampo de conhecimento da psicologia. ³O termo saúde é absolutamente genérico e, portanto,serve a tudo e a nada. Quando nós discutimos a questão da saúde mental, tanto pelapsicologia quanto por alguns segmentos da psiquiatria, estamos discutindo a causa, asorigens dos transtornos mentais. E eles não decorrem necessariamente de causas orgânicasnem de causas inexplicáveis, mas do funcionamento do psiquismo´, afirmou. Nesse sentido, areferência feita à CID 10 na Resolução do CRP deve-se ao fato de que o Código é uma dasreferências internacionalmente válidas, que incorporou os transtornos mentais e decomportamento. Isso, no entanto, não significa que o Código os tenha incorporado comoespecíficos da área da medicina, mas, sim, pelo reconhecimento da inserção dessestranstornos no campo da saúde. ³Essa é uma apropriação indébita e de caráter estritamentecorporativista´, afirma Sass. Além disso, na medida em que a Resolução obriga o psicólogo afundamentar cientificamente a concessão do atestado e guardá-lo como documento, criatambém uma instância de fiscalização sobre o profissional.
Para Sass, no entanto, o episódio sugere um bom momento para que aqueles que fazem aciência psicológica reflitam sobre o lugar que ela ocupa entre as áreas de conhecimento. Noseu entender, ao se definir como uma área de conhecimento da saúde, a psicologia restringesuas possibilidades de atuação ao mesmo tempo em que submerge na amplitude do conceito.³Saúde é tudo. Ao querer dar identidade à psicologia como uma profissão da área da saúde,caímos num campo em que nossa força torna-se também a nossa fraqueza. O ato médico éum bom indício dessa armadilha conceitual. Fazendo uso de referências históricas ele lembraque há pessoas que consideram importante pensar a possibilidade de se criar umapsicopatologia do ponto de vista da psicologia e não do ponto de vista da psiquiatria. ³Freud foio primeiro, mas não o único, a romper com a estrutura da psiquiatria para propor umapsicopatologia que tivesse como referência a própria constituição do psiquismo do ponto devista social e cultural´, afirma. E indaga: ³O que são os transtornos mentais pensados a partirda psicologia como ciência social, e não como ciência biológica ou médica?´
De acordo com Sass, a decisão de regulamentar o atestado psicológico foi tomada como umamedida de proteção ao cidadão, partindo-se do princípio de que as condições a que oindivíduo é submetido na escola, no trabalho ou na vida social podem causar os transtornosmentais. Exemplificando, de acordo com a Resolução, se o psicólogo identificar, pelosinstrumentos que a psicologia desenvolveu historicamente, que uma criança está numasituação institucional adversa que lhe causa transtorno mental ou dificuldades psíquicas parao seu desenvolvimento, ele pode retirar a criança dessas condições e procurar atuar nãoapenas em relação à criança, mas sobre as condições que engendraram esse transtorno. Ouseja, se o psicólogo identifica que as condições a que uma pessoa está submetida propiciamtranstornos mentais, ele não está se referindo estritamente a condições fisiológica oubiologicamente determinadas. E, portanto, não está se referindo a condições que tenhamcausas orgânicas que, de um lado não devem ser negadas e, de outro não devem serabsolutizadas. ³É isso que a Resolução pretende, que o psicólogo possa retirar o sujeito dessacondição e atuar sobre a condição que possibilita o transtorno´, explica Sass.
Conheça, na íntegra, a Resolução que institui o atestado para licença-saúde
Resolução nº 008/94 de 08/08/94.

Ementa: Ementa: institui e regulamenta as condições para concessão de atestados
psicológicos para efeito de licença de saúde.
O CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª REGIÃO, no uso de suas atribuições
legais e regimentais;
Considerando que o PSICÓLOGO, no exercício de suas atribuições, estabelecidas pelo parágrafo 1º do artigo 13 da Lei nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, é um profissional que também atua na SAÚDE, com fundamento, inclusive, na caracterização efetuada pela OIT,
OMS E CBO;
Considerando que outras condições mentais tratadas pelo PSICÓLOGO podem, inclusive,oferecer riscos para o paciente e para o próprio meio ambiente onde se insere;Considerando que para o devido restabelecimento do equilíbrio mental do paciente é muitasvezes necessário seu afastamento das atividades laboriosas ou de estudos;Considerando que, conforme entendimento do Conselho Federal de Psicologia, emitido no anode 1986 e reproduzido parcialmente em seu veículo de comunicação na edição maio/junho de86, ³é facultado ao psicólogo o uso do Código Internacional de Doenças como fonte paraenquadramento de diagnósticos´. Mais especificamente adotando-se como referência para opsicodiagnóstico a Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento (CID) em vigore/outros critérios construídos a partir da discussão de uma comissão constituídaespecificamente para esse fim;Considerando que é atribuição do Psicólogo a emissão de atestado psicológico circunscrito àssuas atribuições profissionais e com fundamento no diagnóstico psicológico produzido;Considerando que tal medida visa, sobretudo, a promover a saúde mental, garantir ascondições necessárias ao bem-estar individual e social, valorizando os direitos do cidadão.
Resolve:
Art. 1º O Psicólogo devidamente inscrito no CRP-06 poderá, no âmbito de sua atividade
profissional, emitir atestados de afastamento do paciente de suas atividades por motivo de
saúde.
Art. 2º Fica o psicólogo obrigado a manter em seus arquivos documentação técnica que
fundamente o atestado por ele concedido e a registrar em talonário específico todas as
situações decorrentes da emissão do mesmo.
Parágrafo Único - o CRP-06 poderá, a qualquer tempo, suscitar o psicólogo a apresentar a
documentação a que se refere o ³caput´ para comprovação da fundamentação científica do
atestado.
Art. 3º No caso de a incapacidade do paciente ultrapassar 15 (quinze) dias, este deverá ser
encaminhado pela empresa à Perícia da Previdência Social, para efeito de auxílio-doença.
Art. 4º O atestado emitido pelo Psicólogo deverá ser fornecido ao paciente, que por sua vez
se incumbirá de apresentá-lo a quem de direito para efeito de justificativa de falta por motivo
de saúde.
Art. 5º O Psicólogo será profissionalmente responsável pelos termos contidos no atestado
emitido, devendo cumprir seu mister com zelo e competência sob pena de violação, dentre
outros, do art. 02 alínea ³m´ do Código de Ética Profissional do Psicólogo.
Art. 6º Os casos omissos serão resolvidos pelo CRP-06.
Art. 7º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação

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