domingo, 20 de fevereiro de 2011

INGRATO MESMO FOI O GOVERNO

Um colega Perito andou debatendo sobre o Porquê da onda de agressões aos Servidores Peritos do INSS. No seu questionamento tinha a sensação de quê nos últimos anos tinha havido um aumento considerável de casos de agressões físicas e mesmo morais aos peritos do INSS. E ele não está errado, mas o problema é muito mais complexo do que parece. Vejamos.

Mais de 80% dos Peritos Médicos percebem o risco ocupacional chamado de insegurança – Auditoria Interna de 2009. Entendem que o que fazem realmente é arriscado. Mas não é somente isso. Tal risco da “atividade” ainda é acrescido pelos conceitos de Vulnerabilidade e Incapacidade de Resposta. Ou seja, o perito do INSS, além de perceber que sua atividade é insegura por natureza conflituosa, guarda o sentimento de que a sua própria pessoa e sua organização podem ser atingidas a qualquer momento uer um (vulnerabilidade) e tem a sensação da ineficiência dos recursos disponíveis e das habilidades gerenciais para amenizar o risco inerente (capacidade de resposta) - observem que nos 2 casos recentes de tentativa de homicidio com alcool e fosforos, os suspeitos foram liberados para suas residencias minutos depois - noutro o agressor voltou a APS no mesmo dia agendou outra perícia. O perito sabe que corre perigo e que pouco pode fazer para melhorar isso. E não é por menos. Há muito pouca pesquisa sobre isso - o tema não interessa ao govnero, mas os últimos dados de 4 anos atrás de uma pesquisa na ANMP revelaram que 3-5% dos peritos já sofreram agressões físicas e 80-90% já sofreram agressões morais. Dados dos últimos 5 anos revelam em média cerca de 100 casos de agressões anuais registradas na Polícia Federal (média de 2 por semana) – para uma carreira de aproximadamente 5.000 médicos ativos, revelam que 2% dos profissionais são agredidos anualmente. Fora os casos não notificados que sempre existem. Fato interessante é que as agressões são proporcionais nas 5 regiões funcionais do INSS do mesmo modo que as médias de indeferimento. No final, se prova que a atividade é sem dúvida uma das mais conflituosas, senão a mais, e uma das menos protegidas de todas as existentes no país. Não há medidas para reduzir a exposição ao risco e nem para aumentar a proteção.

Voltando ao pensamento do colega. É sabido que a percepção das agressões aumentou, mas será que a quantidade proporcional também? Ou seja, será que o aumento não estaria relacionado a utilização relativamente recente da internet para fóruns, pesquisas, redes sociais e blogs que ampliou o universo da informação. Um caso de agressão no RN atualmente pode ser notificado no mesmo instante em SP; * os relatos do peritos aposentados garantem que sempre existiu o problema, mas sem visibilidade. Da mesma forma que a organização dos Peritos em uma Associação Classista há apenas 8 anos pôde finalmente melhorar a coleta e a visibilidade de episódios que até então ficavam circunscritos a área da localidade. Eu, no entanto, compartilho da suspeita do colega: os números aumentaram sim e por fatores diretamente ligados ao empregador: O governo.

E o pior de tudo, eram todos previsíveis. * Confesso que sei que é muito mais fácil analisar o passado no presente, mase a onda de agressões que cairia sobre a Perícia Médica do INSS era anunciada muito antes da criação da carreira - lei 10.876/04 -  Como uma tempestade sobre a seara da administração. Só que não nos contaram. E aí entra a culpabilidade do empregador. O perito médico foi colocado na frente da batalha para sofrer as conseqüências das decisões de seus superiores. E isso faz com que o governo tenha uma enorme dívida com esta carreira. E que, diferentemente do que o Presidente Lula dissera na despedida, INGRATO mesmo foi o GOVERNO.

Em 1999, o então Presidente Fernando Henrique Cardoso, seguindo a onda mundial de tentar corrigir as finanças publicas ligadas a Previdencia Pública, institui o fator previdenciário e criaria dezenas dificuldades para a aposentadoria por contribuição; na época não houve tanta repercussão - apesar de muita gente ter corrido para buscar os seus direitos - porque uma tabela progressiva garantiria uma transição entre as 60 para as 180 contribuições e instituiria uma idade mínima. Problema que explodiria mais na frente. E no nosso nariz. Como uma bola de neve pequena que cresce e destrói o que tiver em sua frente. As medidas iriam atingir diretamente a perícia médica porque num curto espaço de tempo uma pessoa com mais de 55 anos não contribuiria apenas por 5 anos e sim por mais 10 anos. E depois por mais idade e cada vez mais tempo de contribuição. No seu desespero restavam: a aposentadoria por invalidez e o BPC/LOAS. Até hoje, a invalidez serve de desvio para aqueles que nada contribuíram ao sistema e que o governo não deixara alternativa. Para onde iria uma senhora com 72 anos que quer se aposentar sem nunca ter contribuído? E tome pressão na Perícia;

Mais não foi só isso. Paralelamente, em 2001, já com a dificuldade do Decreto 3048/99 sendo percebida pela população a demanda por auxilio doença começa a crescer e, o pensamento neoliberal do ESTADO MÌNIMO vigente, faz com que se crie a alternativa do estímulo a Terceirização da atividade médico legal. Dados do passado revelam que 73% da mão e obra pericial do INSS chegou a ser terceirizada em meados de 2003; O crescimento no número de auxílios doença da ordem de 180% garantiria que estava havendo algo errado. Cidades como Sorocaba com mais de 10% da população em auxilio doença não eram raras enão deixavam dúvidas. Havia promiscuidade de Peritos com Quadrilhas de estelionatário e corruptos - como a que assassinou a Colega Maria Cristina -, Política e Assistencialismo. E poderia ser assim durante muito tempo se o processo tivesse sido mais lento, mas ávidos pelo "retorno aos seus consultórios" e manutenção de salários astronômicos, o TEMPO DE ESPERA PELA PERÍCIA explodira e chamara a atenção do MPF e de órgãos reguladores. Entendamos, o dinheiro do auxilio doença era transformado em votos e a Controladoria Geral da União recém criada no governo Lula ainda engatinhava. Se o povo não estivesse sendo duramente lesado neste aspecto "temporal" a trama se perpetuaria. Acontece que as filas estavam em média para 4 meses e não deu mais para segurar. Alguém tinha que resolver a questão. Aí é que entraram os médicos do INSS que iniciaram sua luta contra o sistema viciado e sua organização doentia. Os números escandalosos vieram à tona e não houve outro jeito. Uma greve maciça em 2004 e a criação da carreira. Um pouco de ordem na casa aparecia como uma ilha deserta vista por uma embarcação perdida. Mas quem disse que seria fácil?

E de fato não foi. Uma seqüência de concursos para atrair médicos altamente capacitados criou outro problema porque desde o início eles não entendiam como alguns absurdos eram possíveis. Dezenas de milhares de indeferimentos naturalmente. Absurdos inconseqüentes de uma completa falta de organização foram testemunhados ainda pelos peritos de 2005 que ainda conviveram com os terceirizados. Cortaram benefícios indevidos aos montes. E para sua ação houve uma brutal reação social. Juntamente com o desespero crescente da falta de alternativa a benefícios assistenciais, o crescimento acentuado do Salário Mínimo acima da Inflação – *aumentava muito o salário-contribuição para o contribuinte individual na época e no desespero por não poder mais pagar tentava a invalidez – e a falta de organização do atendimento, criaram um dos ambientes mais insalubres que se tem notícia no serviço público. E não podia dar em outra coisa. Conflito, conflito e conflito. Agressões, agressões e agressões. O Perito Médico foi usado para tentar corrigir os erros da própria administração. Era o escudo da incompetência. Para tentar sanar um doença na gestão dos recursos públicos. Pagou com sangue e levou na cara os tapas que eram para o rosto do governo. Uma ferida no peito de muitos jovens médicos inteligentes e corajosos. O governo tentou amenizar com dinheiro, mas não é com aumento de salário que se curam feridas deste tipo. É com reconhecimento. E dívida do governo ainda é muito grande. Por isso a frase do presidente Lula FOI IMPERDOÁVEL. Foi como um filho chamar a própria mãe de ingrata.

Atualmente a questão da segurança é um problema complexo e multifatorial. Primeiro é preciso a consciência de que não é possível ser perito e não entrar em determinado momento em conflito, mas é possível minimizar o risco e lutar continuamente para baixar as estatísticas de agressões. A engenharia de Segurança do Trabalho usa exatamente este princípio. Que alias, deveriam pertencer às metas institucionais anuais - A Redução Obsessiva da Insegurança. Seria preciso corrigir os desvios e os incidentes para evitar os acidentes. Por exemplo, é inadmissível a permissão passiva de um segurado a sala do perito sem que este seja chamado. Questões como a ineficiência da segurança “patrimonial” que não sabe como agir, a falta de punição e acompanhemento pelo não seguimento dos protocolos, o agendamento caótico sem qualquer compromisso com a qualidade do atendimento - agendas abertas antes das aberturas das APS, no meio de horários de almoço e sem qualquer respeito a pessoa do segurado, a péssima organização ambiental do trabalho com mais de 80% dos consultórios inadequados - vide auditoria 2009, a persistência da entrega do resultado no momento da realização da perícia, a falta de programa de educação previdenciária e a falta de uma gestão eficiente – grávida em atividade insalubre, que por sinal, é crime- infelizmente prometem a manutenção das assombrosas estatísticas ainda por muitos meses. Pior ainda, é ver uma associação de servidores classista ainda como uma mera emissora de ofícios tentando resolver tal problema no ciclo vicioso do “É assim mesmo” tanto que sequer uma nota de roda-pé emite numa semana com 4 agressões documentadas. O problema da segurança é gravíssimo. A perícia médica é a ostra entre o mar (povo) e o Rochedo (a lei) . Torcemos para que o Presidente Hauschild mude esta realidade e construa uma previdência melhor. Terá 100% de apoio dos peritos se conseguir amenizar a insegurança e reconhecer a gratidão do estado por aquilo que fizemos e somos. 

Um comentário:

R disse...

Parabéns pelo texto, reflete perfeitamente o caos que vivemos no INSS.