sexta-feira, 9 de agosto de 2013

NÃO EXISTE LICITAÇÃO HONESTA NO BRASIL

Ouvi essa frase quando era bem jovem e estava começando a morar sozinho, no início da faculdade de medicina no Rio de Janeiro. Eu e minha família procurávamos casas para eu morar e numa conversa um parente, comerciante tradicional na cidade, disse essa frase que entitula esta matéria.

Não sei por que isso ficou na minha cabeça, pois na época eu estava mais interessado em comprar meu estojo de bisturis para o anatômico do que assuntos de economia.

Alguns anos depois, já perito do INSS, empenhado em minha qualificação profissional, resolvo fazer esses cursos gratuitos à distância que o governo oferece aos servidores. Me deparo com o curso "Legislação Aplicada à Lógica de Suprimentos" da ENAP. Me lembrei daquela frase e me inscrevi. 

Acabei essa semana o curso e passei a entender perfeitamente o meu parente me disse, anos atrás. O motivo de não haver licitação honesta no Brasil é a própria Lei que à regula, a 8.666/93, uma preciosidade de como encapar a fraude com um belo discurso legalista.

A lei de licitações é extremamente detalhada e regulada. Vendo o curso me perguntei: Como então vemos tantas e tantas fraudes em licitação todos os dias, como nesse recente caso da Siemens em São Paulo? Por que meu avô adotado, comerciante, falava isso com tanta convicção?

A resposta a essas perguntas estão no módulo 12 do curso da ENAP, intitulado "Julgamento e Encerramento da Licitação". Nem precisarei explicar, transcrevo abaixo, com os direitos autoriais da ENAP, o item 12.3 e parte do item 12.7 do módulo:


"12.3. ABERTURA ENVELOPES HABILITAÇÃO
Abertura dos envelopes contendo a documentação relativa à habilitação dos concorrentes, e sua apreciação.
O preâmbulo do edital de licitação (art. 40), dentre outras exigências, menciona o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes.
A Comissão de Licitação irá receber os envelopes dos interessados dentro do horário previsto, credenciando aqueles que quiserem participar desse ato público. Nos termos do art. 41 da Lei de Licitações, a Administração deve seguir à risca todas as exigências constantes do Edital, o que inclui a proibição de realizar novas exigências, bem como a vedação à prorrogação de prazos.
Só pode credenciar o representante legal da empresa (proprietário, diretor, etc.) ou alguém que tenha procuração pública ou particular devidamente especificada para tal fim."

"12.7. ANÁLISE DAS PROPOSTAS
Julgamento e classificação das propostas de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital:
A Comissão de Licitação pode optar por fazer o exame e julgamento das propostas em caráter privativo, motivado pela complexidade do julgamento. Hipótese em que deverá buscar o auxílio de técnicos das respectivas áreas de conhecimento.
Esse auxilio deverá ocorrer de forma escrita e conter a opinião conclusiva do técnico sobre as propostas, em conformidade com o edital.
Com base nessa manifestação técnica, a Comissão fará o seu julgamento, classificando as propostas em ordem crescente, a fim de submetê-las à autoridade competente.
Convém ressaltar que a Comissão não tem competência de declarar ninguém vencedor. Sua atribuição é julgar e classificar."
Fica evidente que a Lei 8.666/93 foi feita para facilitar a fraude licitatória. Se não foi de propósito então foi de um erro primaz pois a partir do momento que você diz que o ato de entrega de envelopes e habilitação é um "ato público" mas dele só podem participar a Comissão Licitatória e os representantes das empresas, sem nenhum tipo de controle externo, o "público" desse ato vira letra morta. É a raposa tomando conta do galinheiro.

Fica óbvio que uma vez que só as empresas e a comissão vendo o que está sendo apresentado, as chances de se formar um CARTEL ou de se combinar preços para elevar o valor pago pelo governo é mais que provável, é uma certeza.

Além disso, para piorar, a Comissão de Licitação pode optar por fazer o exame e julgamento das propostas em caráter privativo. De novo sem controle externo. Mais uma chance de ouro de se concretizar a fraude.

Ah, mas existe o MPF e o TCU, dirão os "especialistas em licitações". Tudo bem, mas até esse assunto chegar nesses tribunais, a licitação já foi, o contrato já foi, a obra super-faturada já foi (ou não) e o dinheiro já era.

Com isso, MPF e TCU ficam brincando de enxugar gelo e correr atrás do prejuízo diário que sangra os cofres públicos em centenas de bilhões de reais por ano.

Fraudes como a da Siemens existem aos montes, se formos passar um pente fino duvido que algum órgão público nesse país saia ileso de alguma licitação, pelo menos uma, irregular.

Seria fácil resolver isso: Bastaria dar transparência ao processo. Ou a análise da licitação vira um ato público de verdade ou ao menos deveria ser feito sob vigilância de representantes do MP e/ou do TCU ANTES de se assinar o contrato. Como não vai ter procurador e técnico suficientes, que o fizessem por amostragem e deixassem a licitação de fato aberta a TODO PÚBLICO, qualquer um que seja.

Isso já inibiria a formação de cartéis de preços. Mas a lei já tem 20 anos e parece que ninguém quer isso.

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