quinta-feira, 23 de junho de 2011

POR TRÁS DA NOTÍCIA: SPAGORA E O CASO OCIMAR



A polêmica foi em março desse ano. Um artigo de opinião, intitulado "Instituto Nacional Sem Senso" da jornalista Fátima Souza, do jornal SPAgora (jornal formatado para populares, em São Paulo), sentava o "pau" nos peritos médicos do INSS e no próprio INSS tendo como pano de fundo o relato desesperado dela sobre as agruras que um amigo pessoal e companheiro de trabalho, Ocimar Gonçalves da Costa, estaria passando dentro da autarquia para conseguir seu "benefício".

Na narrativa, a jornalista perde as estribeiras e desfere uma série de impropérios contra a classe pericial ("peritos mal educados, grossos e que se acham os poderosos"; "peritos agem como querem, sem que ninguém os freie, e decidem absurdos inimagináveis";"peritinha"; "peritos ineficientes"), contra o presidente do INSS ("nome do Presidente do INSS. Por isso o qualifico também de irresponsável"; "do Presidente do INSS merecem mesmo é tapa na bunda") e parte para acusação infundada, travestida de fofoca, ao dizer que "Ouvi até dizer por aí que os peritos, quando não mandam o cidadão para a caixa, ganham um “extra”.

Bom, após "desabafar" e caluniar toda uma classe de trabalhadores e ameaçar de agressão uma autoridade federal de primeiro escalão, ela narra o suposto "drama" de seu amigo, Ocimar.

Resumidamente, ele teria sofrido um acidente em 2006 que teria causado sérios danos à sua coluna vertebral. Por conta desse acidente, segundo a repórter, ele nunca mais iria poder voltar a trabalhar como cinegrafista, sua profissão usual. Segundo a narrativa, ele foi submetido a uma cirurgia e "entrou na caixa" (termo leigo para dizer que passou a receber o auxílio-doença). A discórdia começa pois em determinado momento, não esclarecido pela repórter, o seu amigo teria sido considerado apto ao retorno ao trabalho, pela emissora Bandeirantes, mas ele não poderia mais voltar sob o risco de ficar "paralisado" (isso mesmo, segundo as falas da nobre repórter).

Ocimar teria tido seu retorno "recusado" pela emissora e passou a ficar num limbo já conhecido por todos aqui: o problema de quem é considerado apto na perícia mas não é aceito de volta na empresa. Então, como todos nessa situação, recorreu à justiça federal. Segundo dados da matéria, a decisão teria demorado dois anos e a sentença seria a de que ele "receberia esses dois anos" mas nada sobre seu futuro estaria decidido.

Então o segurado, Ocimar, retornou à empresa, foi recusado, marcou uma nova perícia, não foi considerado inapto e voltou ao INSS, onde teria marcado uma perícia em outra cidade devido à demora da fila na capital paulista. Aparentemente, da forma como a repórter desacata e calunia a perita que fez o exame, a decisão foi novamente pelo indeferimento.

Por fim a repórter com extremo mau gosto passa a difamar e caluniar os peritos e o presidente do INSS, chamando-nos de ladrões, incompetentes e etc e estimula publicamente a agressão contra servidores federais. Sempre com o foco no perito.

O JUIZ não aposentou, os médicos do trabalho não permitem o retorno mas a culpa é do perito do INSS?


Pelo descrito, deduz-se que ele já passou em diversas perícias, em diversas cidades, com diversos peritos que não se conhecem e todos não reconheceram a incapacidade pleiteada. O Juiz também não reconheceu. São os peritos que estão errados?

Alguns peritos se revoltaram com o teor agressivo e pediram direito de resposta, no que ela transformou em outra matéria, novamente caluniando os peritos e se dizendo compromissada apenas com a "verdade".

Compromisso com a verdade, jornalista? Ótimo. Então vamos procurar a verdade.

O nome do amigo não é comum. Não devem existir dois "Ocimar Gonçalves da Costa" que trabalhem como cinegrafista para televisão nesse país. A repórter diz que o incidente foi em 2006 e que nesse ano foi afastado. Diz que ele ficou 2 anos esperando por uma decisão do juízo que saiu em janeiro de 2011, e que ele até hoje não voltou ao trabalho e estaria sem receber por "culpa" dos peritos.

Procurando na Justiça, achamos facilmente o processo do citado e a decisão judicial. Leiam bem o que o Juiz escreveu:


"(...) diante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação acidentária promovida por OCIMAR GONÇALVES DA COSTA contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, para o fim de condenar este último a pagar ao autor as seguintes verbas: AUXÍLIO- ACIDENTE de 50% (cinqüenta por cento), conforme o art. 86, I e seu respectivo parágrafo 1º, da Lei nº 8.213/91, com a alteração introduzida pela Lei nº 9.032/95, de 29.04.95, e alterações posteriores, a partir do dia seguinte ao de sua última alta médica, ou seja, a partir de 30 de agosto de 2008 (fls. 253), pelo salário de benefício já apurado e adotado pelo réu R$ 2.454,30 (fls. 258); ABONO ANUAL; JUROS MORATÓRIOS de 1% ao mês, art. 406 do CC, vigente quando da constituição em mora, devidos englobadamente até a citação e, após, mês a mês, decrescentemente; HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até a sentença, nos termos da Súmula nº 111 do C. Superior Tribunal de Justiça; SALÁRIOS PERICIAIS, conforme já estabelecido no processo; e REEMBOLSO DAS DESPESAS PROCESSUAIS necessárias e comprovadas, com correção (...)"

Pelo Juízo, a data de cessação de benefício de Ocimar foi 30/08/2008. O Juiz manda pagar o auxílio-acidente a partir dessa data, retroativo 2 anos.


O que é mesmo o auxílio-acidente, jornalista Fátima?

Vamos deixar o INSS responder:

"Auxilio Acidente
Benefício pago ao trabalhador que sofre um acidente e fica com seqüelas que reduzem sua capacidade de trabalho. É concedido para segurados que recebiam auxílio-doença. Têm direito ao auxílio-acidente o trabalhador empregado, o trabalhador avulso e o segurador especial. O empregado doméstico, o contribuinte individual e o facultativo não recebem o benefício

Para concessão do auxílio-acidente não é exigido tempo mínimo de contribuição, mas o trabalhador deve ter qualidade de segurado e comprovar a impossibilidade de continuar desempenhando suas atividades, por meio de exame da perícia médica da Previdência Social.

O auxílio-acidente, por ter caráter de indenização, pode ser acumulado com outros benefícios pagos pela Previdência Social exceto aposentadoria. O benefício deixa de ser pago quando o trabalhador se aposenta.

Pagamento

A partir do dia seguinte em que cessa o auxílio-doença.

Valor do benefício

Corresponde a 50% do salário de benefício que deu origem ao auxílio-doença corrigido até o mês anterior ao do início do auxílio-acidente
"

Então temos que o auxílio-acidente é uma verba indenizatória, de valor de 50% do salário-base, pago para sempre, para trabalhadores que não são considerados mais inaptos mas tiveram sequelas de acidentes trabalhistas.


Como o Juiz não decidiu o futuro de seu colega, repórter Fátima? Claro que decidiu. Se a senhor ao menos se desse ao trabalho de LER a sentença antes de falar mal dos peritos, teria visto que o Juiz mandou seu amigo retornar ao mercado de trabalho, mas recebendo uma indenização pelo acidente prévio.


E eu nem vou entrar no mérito, aqui, de se considerar espondiloloistese como acidente, mas vale o registro da estranheza.

Pois bem, então o Sr. Ocimar já está de posse dessa verba, dessa indenização. Por que então continua reentrando no INSS para se afastar por uma doença que a própria Justiça já decidiu que a incapacidade cessou mas que ele tem direito a uma indenização mensal? Por que os médicos do trabalho de sua empresa supostamente (segundo a repórter) estariam recusando ele pois o auxílio-acidente pressupõe reenquadramento funcional?


Uma vez de posse do auxílio-acidente, não cabe mais auxílio-doença sobre o mesmo enquadramento, fora situação nova (outra doença, p.ex.).

Onde está a incompetência, senhora Fátima? Ele se acidentou, em 2006, ficou em benefício um tempo, foi considerado apto ao retorno em 30/08/2008 mas como se sentia prejudicado foi ao judiciário, que considerou ele apto com restrições e por isso ganha o auxílio-acidente desde então, retroativo a 2008. Onde está o erro, senhora jornalista?

Vou lhe mostrar. O erro está aparentemente aqui:

"DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
ANO LXIII - Nº 054 - SÁBADO, 19 DE ABRIL DE 2008 - BRASÍLIA-DF

SISTEMA PENITENCIÁRIO
DO RIO GRANDE DO SUL
DIAS 27 DE MARÇO DE 2008
DILIGÊNCIA À CIDADE DE PORTO ALEGRE
DIA 27-3-08 – PORTO ALEGRE/RS
Deputados Presentes:
Deputado Neucimar Fraga – (PR–ES) – Presidente
Deputado Luiz Carlos Busato (PTB/RS)
Deputada Jusmari Oliveira (PR/BA)
Deputado Pompeo de Mattos (PDT/RS)
Funcionários de Apoio:
Camilo Lelis de Siqueira – Assistente de Comissão
José Mário dos Santos Silva – Taquígrafo
Paulo Fernando Volpe – Técnico de Som
José Luiz do Nascimento Alves – Fotógrafo
Geovane Veras Pessoa – Delegado da Polícia Federal
Paulo Roberto Cardoso de Miranda – Repórter da
Rádio Câmara
Allan Wellington Soares dos Santos, Assessor da Liderança
do PT e advogado do Relator
Nathaniel Bloomfield, Engenheiro e Perito da Polícia
de Brasília
Fátima de Souza, Jornalista e escritora
Ocimar Gonçalves da Costa, Cinegrafista
Renato Neves Pereira Filho, Agente Penitenciário
• 8h45m – Decolagem da aeronave da FAB de Florianópolis/
SC
• 9h57 – Chegada em Porto Alegre/RS
Recebidos pelo Tenente Coronel Jainer Pereira
Alves, Superintendente Substituto da Susepe, Bruno
Trindade.
ROTEIRO DO DIA 27-3-08 (...) "

Ué, não é o mesmo Ocimar que desde 2006 estava inapto a trabalhar como cinegrafista? Viajando às custas do Congresso Nacional, como cinegrafista, junto com a própria repórter, em trabalho oficial documentado em diário público, em março de 2008, quando em tese ainda estava em benefício (encerrado em agosto de 2008 segundo a Justiça Federal). Que estranho, como pôde?

E nesse relatório abaixo, de julho de 2008, do Congresso Nacional sobre o sistema prisional, não é o mesmo Ocimar? Mas ele não estava incapaz desde 2006? Como acompanhou a CPI do sistema carcerário nos seus oito meses de atividades, encerrados em julho de 2008? A "alta" dele do INSS não foi em agosto de 2008? E mesmo assim ele não alega incapacidade até hoje?


CPI DO SISTEMA PRISIONAL
"(...)Ao fotógrafo Luiz Alves, aos jornalistas Paulo Roberto Miranda
e Fatima Souza e ao cinegrafista Ocimar Costa, que acompanharam a
CPI."

Que vergonha, senhora Fátima... A obrigação de um repórter, antes de mais nada, é checar as fontes, estudar o assunto, ser isento e se comprometer com a verdade. A senhora falhou nesses QUATRO itens:
1) Não checou fonte nenhuma em sua defesa cega de seu amigo;

2) Não estudou o assunto, falando como leigo e confundindo até coisas simples como a diferença entre a Comunicação de Resultado de Requerimento (que é assinado pelo Presidente da Casa)e o Laudo Médico Pericial;

3) Não foi nada isenta ao xingar e ofender e estimular agressões contra peritos que estão apenas fazendo o seu trabalho (e bem feito, diga-se de passagem, pois não reabriram BI para quem já está fazendo jus ao auxílio-acidente sem nova motivação);

4) Não só faltou com a verdade como se mostrou cúmplice de um possível delito, pois temos indícios de que, em tese, o senhor Ocimar TRABALHOU COMO CINEGRAFISTA JUNTO DA PRÓPRIA REPÓRTER mesmo estando afastado pelo INSS, em tese, ou pelo menos alegando estar incapaz, coisa que o faz até hoje, segundo o relato da sua amiga repórter.

Que vergonha tudo isso. Parabéns a quem chamou aquela "peça" de jornalismo de imprensa marrom.

Por fim, se a própria repórter esteve em companhia do Sr.Ocimar em 2008 na CPI do sistema Carcerário, porque escreve que ele está incapaz desde 2006 em sua matéria jornalística?


Peritos incompetentes? Creio que não.

9 comentários:

Rodrigo Santiago disse...

Esta sim é uma excelente matéria jornalìstica feita por um excelente perito!

Que papeláo, hein senhora Fátima!Agora diga aí quem sáo os peritinhos e quem é a jornalistazinha!

Se tiver o mínimo de vergonha na cara e caráter - algo que parece muito difícil de acreditar que tenha - o mínimo a fazer seria uma retratação e pedido de desculpas.Reconhecer o próprio erro é algo muito nobre que poucos estão dispostos a fazer.

alxvmax disse...

É uma pena quando muitos pagão pelo erro de alguns, mas, infelizmente, não é esse o caso do INSS. As pessoas já estão generalizando, porque, até hoje não conheço ninguém que foi tratado com respeito na perícia. Acredito que as experiências negativas tomam maior proporção do que as positivas, mas se o referido órgão tivesse peritos mais qualificados para lidar com pessoas que em maioria estão com desequilíbrio emocional, essas críticas não teriam tal força. Quando a instituição é idonea e alguém faz uma crítica dessa natureza, todos param para pensar na veracidade dos fatos, mas no caso do INSS, infelizmente, ocorre o contrário.
Amélia Cruz

H disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Francisco Cardoso disse...

Eu conheço milhares de pessoas que foram bem tratadas na perícia, e conheço os que alegam que são destratados e cheguei a uma conclusão impressionante: 100% dos que se dizem maltratados só falam isso quando o benefício é indefirido, mesmo que antes tenham ficado ANOS A FIO em benefício, sem reclamar dos peritos. A queixa começa no indeferimento.

HSaraivaXavier disse...

E desde quando alguém volta para agradecer algo no serviço público?

E desde quando procuram TV e Jornais se forem bem atendidos?

E para quê fariam não é obrigação do servidor?

Que argumento... putz.

Francisco Cardoso disse...

Detalhe: a denúncia mostra de forma irrefutável uma provável fraude contra a previdência e a leitora se preocupa apenas em citar o suposto "mau atendimento" dito pela amiga do "incapaz que trabalha"... O INSS é o espelho do Brasil, por isso nunca será sério. O INSS é tão sério quanto o povo que dele suga até a última gota do dinheiro suado dos trabalhadores, num país de 200 milhões de pessoas e apenas 25 milhões de declarantes de Imposto de Renda.

Andre disse...

Francisco Cardoso gostaria de parabenizá-lo. Brilhante pesquisa. Traduz a alma do perito em busca da verdade. É um orgulho e exemplo para todos nós.
Valeu pela pesquisa.

Eduardo Henrique Almeida disse...

Se procurarmos com tamanha profundidade encontraremos muitas Fátimas e muitos Ocimares. Gostaria que a nobre e isenta jornalista comentasse o sistema carcerário brasileiro, que é onde ela deveria habitar.

Anônimo disse...

O nível geral dos jornalistas deste país é baixíssimo, medieval. Não dá nem para comentar...

Mal-formados, mal informados, não checam fontes, grande parte deles cooptados pelos seus patrões e donos da mídia: a esmagadora maioria escreve de maneira mercenária e vil.

Há exceções honrosas, é claro.

Esta pesquisa fundamentada mostra o grau de torpeza, má-fé e indecência desta dupla citada.

Durma-se com um barulho desses!