quinta-feira, 9 de junho de 2011

Isenção de Carência, regras insustentáveis.

Carência é uma exigência própria dos seguros públicos e privados, assegura a boa-fé de quem adere ao sistema. Fazer qualquer tipo de seguro para algo já sinistrado seria inaceitável em qualquer código moral. Previdência pressupõe antecipar-se aos eventos, até etmologicamente significa exatamente isso. Poderíamos chamar de pós-vidência o ato de tentar segurar algo já sinistrado.

Quando o legislador preconiza 10 meses de carência para salário maternidade deixa claro que levou em conta o tempo de duração das gestações. Quando a aposentadoria por idade prevê carência de 15 anos procura evitar que o sistema seja onerado sem a necessária contrapartida que lhe dá sustentabilidade. Para o auxílio-doença se exige que a doença incapacitante seja precedida de 12 contribuições mensais em dia. Neste caso, mesmo que o segurado ingresse no sistema já portador de alguma patologia, o fez de boa fé, já que trabalhou durante 12 meses antes de tornar-se incapaz.

Tudo muito simples e lógico. Agora vêm as aberrações:

1- REDUÇÃO DE CARÊNCIA
Quem já foi segurado e retorna ao sistema, tem a carência reduzida em 2/3. Assim, quem precisa de auxílio-doença precisa apenas de 4 meses de contribuições, pode ingressar doente e se tornar incapaz após 4 meses, fazendo jus ao direito previdenciário. Para salário maternidade, pode ingressar no sistema com 4 a 5 meses de gestação que será amparada, uma clara pós-vidência.

2- ISENÇÃO DE CARÊNCIA
Quando se pretende isentar alguém de cumprimento de carência para auxílio-doença, se está falando de 1 a 12 contribuições, já que contribuindo 12 meses não se precisaria evocar isenção alguma. O conceito é, em princípio, justo em situações nas quais a incapacidade aconteceu antes, porém claramente sem nenhuma intenção fraudadora. É o que acontece, por exemplo, com um jovem récem empregado que tem uma apendicite aguda e é operado, ou alguém que é atropelado por uma moto.
O benefício da isenção das totalidade das 12 contribuições para poder ter o auxílio-doença visa, portanto, amparar alguém que ingressou no sistema hígido e, poucos meses depois, foi vítima de um evento incapacitante imprevisível.
Mas é isso que acontece? Não. O rapaz da apendicite não terá direito à isenção de carência por que o INSS só considera eventos traumáticos, o que não é o seu caso. Absurdo? Sim, totalmente.
Por outro lado, existe uma lista de doenças isentáveis de carência sem nenhuma base científica, completamente anacrônica ao pretender beneficiar portadores de doenças estigmatizantes. Ora, doenças estigmatizantes no século XXI? As doenças arbitrariamente eleitas incluem, por exemplo, Espondilite Anquilosante. Por que? Ninguém saberá explicar. EA pode ser muito leve ou muito grave, tanto quanto a Artrite Reumatóide, doença semelhante e não incluída na tal lista. Mais um detalhe, EA é uma doença que se desenvolve ao longo de anos e nunca é diagnosticada em poucos meses, logo nunca poderia isentar carência. As outras doenças da lista, como cardiopatia grave, hepatopatia grave são igualmente crônicas na maioria das vezes. E pneumopatia grave, por que não é amparada?
Reputo essa lista como ridícula e deveria ser substituída por um texto legal simples e objetivo:
independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das seguintes doenças: tuberculose ativa; hanseníase; alienação mental; neoplasia maligna; cegueira; paralisia irreversível e incapacitante; cardiopatia grave; doença de Parkinson; espondiloartrose anquilosante; nefropatia grave; estado avançado da doença de Paget (osteíte deformante); síndrome da deficiência imunológica adquirida-Aids; e contaminação por radiação, com base em conclusão da medicina especializada.
 Por:
independe de carência a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social, for acometido das  doenças cuja avaliação médico-pericial caracterizar como agudas e imprevisíveis.
Outra grave confusão envolvendo a tal lista é o questionário que o perito preenche no sistema SABI, entre outras perguntas. Consta lá: "É caso para aposentadoria?", "É caso para reabilitação profissional?", "É doença que isenta carência?". Perceberam a diferença? Nas duas primeiras perguntas o perito responde sobre o caso concreto, o que é o correto em se tratando de perícia médica. Já na terceira é induzido a responder se a doença em questão consta da famigerada lista! Ao assinalar sim, à pergunta não estaria afirmando o direito à isenção? Sim, estaria, mesmo que a doença tenha se iniciado antes do ingresso no sistema, ou seja, pós-vidência não isentável!

Por fim, a lei deixa claro que não pode haver isenção de carência para nenhuma doença que já se tenha manifestado antes do ingresso no sistema securitário, entretanto, em outro capítulo da lei, que não trata de carência, está dito que não poderão deixar de ser amparadas doenças anteriores que produzam incapacidade por terem se agravado. Muitos confundem com isenção de carência por agravamento, o que não existe nem poderia existir. Doença anterior nunca isenta carência, por definição.

PS: Apenas para registrar, o período de filiação contado para o empregado se inicia no primeiro dia de trabalho, cujo recolhimento poderá se dar até 45 dias depois. Já para os autônomos (contribuintes individuais), é necessário que já tenha acontecido a primeira contribuição. Essa distinção importantíssima talvez não esteja sendo observada nas APS Brasil a fora.

Um comentário:

HSaraivaXavier disse...

Excelente Eduardo,
É exatamente isso. A confusão dos conceitos de "Assistência" e Previdência" tem causado um grande mal a coletividade. Ele é profundamente enraizado. Está lá quando escutamos "Dr, o quê eu preciso senhor vai aposentar meu filho (de 5 anos)?" ou "Dr, mês que vem eu faço 76 anos, só vim agora porque tive que pagar 4 meses". A contribuição da previdência no Brasil passou a ser uma "Solidariedade" obrigatória posto que o dinheiro da classe trabalhadora e empresariado serve para política de Assistencia Social. O legislativo, por sua vez, ao invés de fortalecer o "Social" e assim proteger o que é do trabalhador, o quer transformar no mesmo cidadão "carente" do mesmo nível de quem nada contribuiu. Não há respeito no Brasil para com quem trabalhou duro para isso. Eu acho inadimissível assistir contribuinte de longa data na mesma condição de quem nada deu para a nação, embora o estado precisa manter a sua dignidade como cidadão