sábado, 4 de dezembro de 2010

Perícia Médica ou Auditoria Médica Previdenciárias - Confusão de Papéis? Ponto de Vista

Um colega experiente ontem criou polêmica entre os outros peritos ao defender a tese que o Perito Médico do INSS não constataria incapacidade e sim, a “comprovação” desta. Ou seja, caberia ao perito conferir se os “documentos” apresentados estariam em conformidade com normas preestabelecidas. Pelo raciocínio, um segurado que não apresentasse um atestado médico jamais poderia perceber o beneficio por incapacidade uma vez ela não estaria “constatada” pelo assistente. Haveria para algumas patologias a exigencias de exames sem os quais não poderia pelo mesmo argumento recebê-lo. O perito pelo raciocínio seria um tipo conferente entre o que se está requerendo e o que está escrito no documento apresentado. Uma frase do seu argumento resume a idéia central: “...Cabe ao Médico assistente, ao emitir atestado ou relatório médico, apresentar os elementos que sustentam o que está afirmando”. Bem, mas este pensamento não é compartilhado por muitos.

Continuemos:
O Manual do Perito Médico - não-revogado, no capítulo V que trata da “Realização Exame Médico-Pericial”, complica ainda mais quando cita que:

5.3.15 – Ao término de um exame clínico cuidadoso e bem conduzido, o profissional da área médico-pericial, quase sempre tem condições de firmar um diagnóstico provável, pelo menos genérico ou sindrômico, de modo a lhe permitir uma avaliação de capacidade funcional e de capacidade laborativa. Quando o resultado do exame clínico não for convincente e as dúvidas puderem ser aclaradas por exames subsidiários, poderão estes ser requisitados, mas restritos ao mínimo indispensável à avaliação da capacidade laborativa. Requisições desnecessárias geram despesas inúteis, atrasam conclusões e acarretam prejuízos aos examinados e à Previdência Social. Somente serão solicitados quando indispensáveis para a conclusão médico-pericial. Os Sistemas PRISMA/SABI não permitem a solicitação de exames/pareceres na perícia inicial. Entendendo-se que, cabe ao segurado o ônus da prova de sua doença, o qual no momento da solicitação do requerimento inicial deverá ter um diagnóstico e tratamento devidamente instituído com os exames complementares que comprovam sua causa mórbida, fica a Perícia Médica dispensada das solicitações dos respectivos exames. Nos exames subseqüentes, no estrito objetivo de dirimir dúvidas quanto a manutenção do benefício, poderão ser solicitados os exames complementares indispensáveis.

Pode-se notar textualmente que o argumento do colega, num primeiro tempo, é contrário a norma vigente quando esta possibilita e estabelece o posicionamento ativo do perito na elucidação do diagnóstico inclusive com a possibilidade de solicitação de exames complementares a fim de esclarecer o quadro. A norma impossibilita a solicitação destes na primeira perícia médica. Estes seriam para dirimir as dúvidas e instituir investigação quando o tempo de duração científica da morbidade ultrapassar as barreiras do explicável. A norma ratifica, embora de maneira principiante, módica e controversa, aquilo que sempre foi peculiar da atividade de perito de qualquer área: a autonomia técnica e científica. O princípio é que apenas o profissional que guarda o conhecimento especializado poderia compreender qualificar e quantificar os meios necessários para encontrar o que procura e cada situação jurídica envolve suas informações únicas por mais parecidas que "pareçam". A autonomia do perito existe para garantir que o caso não foi tratado como um a mais de maneira serial, ordenada e previsível. A perícia é a arte de dominar as exceções e elevá-las a importância da regra.

O argumento do colega deixou-me preocupado porque tornaria o ato pericial – no caso o médico – um exercício burocrático, ordenado e previsível. Talvez tenha confundido a função de perito com a de auditor que é definida como: profissional que realiza exame cuidadoso, sistemático e independente cujo objetivo é averiguar se o “realizado” está de acordo com as “disposições planejadas e/ou estabelecidas previamente”. O problema é que a perícia pode se tornar viciada quando confundida com auditoria. Primeiro porque a auditoria trabalha com a regra e não com a situação excepcional e depois porque não interessa científicamente se auditar julgamentos. Como se poderia auditar algo que pode estar correto qualquer que seja o resultado? Eu guardo laudos curiossíssimos do mesmo caso com parecer favorável e contrário onde é impossível ler e não concordar com os dois. Difícil? E como é. Acabei de lembrar de hipocrates: “O momento é fugaz, a experiência perigosa e o julgamento é difícil”.

Gostaria de fortalecer e ampliar a idéia de autonomia dos peritos do INSS e dizer que a luta não é apenas para utilizar do tempo necessário para cada caso. Que a questão no Movimento de Excelência contra vinte minutos por perícia é apenas um dos elementos necessários para o resgate da dignidade do ato pericial com reflexos diretos na sociedade - infelizmente não compreendidos pelo governo, mas não é de espantar porque até mesmo alguns colegas ainda não o fazem. Ele (MEP) deveria representar primeiramente o resgate dos conceitos periciais por um argumento técnico jurídico de livre convencimento para qualquer pessoa com inteligencia mediana, mas ficou marcado com objetivo primário de forçar a libertação e reagir a pressão administrativa adoecedora. Ele deveria ter sido muito mais. A autonomia pericial seria mais ampla e envolveria a capacidade de escolher e efetivar os meios mais adequados e melhor indicados para a realização das perícias – autonomia técnica que significa o conjunto de procedimentos ligados a uma arte ou ciência; é a parte material dessa arte ou ciência – e a capacidade de aplicar a ciência, com rigor e objetividade utilizando irrestritamente de ferramentas voltadas para o campo da ciência, que revela rigor científico através de fundamentos precisos e metodológicos – autonomia científica.

O ato médico pericial jamais deveria e poderia ter sido visto como algo burocrático. Outras áreas da medicina legal mais bem estabelecidas colocam a disposição do perito os elementos que ele achar necessário para o convencimento. Caberia ao perito do INSS dizer que elementos precisaria ou não precisaria em análises individuais. Poderia ele ir pessoalmente a hospitais, empresas e órgãos públicos a fim de buscar a informação que entender como crucial para o seu laudo. Poderia solicitar exames, como ainda o pode, para investigar casos, qualificar e quantificar patologias e comparar com outros apresentados por segurados – o modelo do SIMA é importante, mas por vezes o próprio médico que realiza o Exame complementar é o assistente tornando o exame “parcial” principalmente os subjetivos. Poderiam ter a disposição peritos previdenciários não-médicos – não se assustem qualquer área do direito tem peritos contadores, analistas de sistema, bioquímicos, engenheiros, fotógrafos, papiloscopistas entre outros – para criar um serviço de investigação e apoio logístico aos médicos. Alguns países europeus tem serviço de perícia previdenciária formado por equipes para casos de aposentadorias por invalidez e revisões que incluem multiplos profissionais chefiados por um médico Inspetor da Seguridade (médico do governo que domina conhecimento jurídico previdenciário), outro especialista na matéria do Sistema de Saúde (médico, que não o do segurado, que domina a matéria e exerce assistência) e outros administrativos de apoio para documentação e investigação.

A perícia médica do INSS para funcionar adequadamente precisa daquilo que lhe é conceitual e de direito universal e se pode resumir em duas palavras: Independência administrativa.

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