quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

POR QUE OS PLANOS DO GOVERNO EM DIMINUIR O ROMBO DA PREVIDÊNCIA NÃO VÃO DAR CERTO

Os planos anunciados pelo governo para "diminuir o rombo" da previdência são risíveis e claramente um exercício de perfumaria experimental. Ao não fazer o diagnóstico correto das causas do déficit e jogar frivolidades para a platéia com mero intuito de aplacar a "fúria da mídia", o governo planta a semente de um rombo muito maior, que por ora o Estado brasileiro consegue tapar, mas até quando?

A solução apresentada como a mágica para a resolução dos problemas, a Reabilitação Profissional, é tão absurda quanto os cálculos projetados dos bilhões que o governo "iria economizar" com a implementação dessa medida.

Para começar, falta definir conceitos. O que é a reabilitação profissional? O INSS quer reabilitar ou habilitar? Pode ser reabilitado quem nunca foi habilitado? O INSS quer formar profissionais ou gerar ocupações? É reabilitação para uma profissão ou ocupação? Cabe ao INSS além de reabilitar, empregar esse cidadão no mercado? O que se chama de RP, afinal de contas? 

Reabilitação profissional depende da qualificação prévia do trabalhador. Sem esta qualificação não há em que ser reabilitado. Ao se propor fazer isso, o INSS precisaria preparar o trabalhador para um nova profissão ou nova função/ocupação. O INSS não possui estrutura física, recursos humanos e nem responsabilidade legal em fazer isso. O INSS é o MEC? É uma universidade? É o SENAI?

Reabilitar depende do interesse do segurado. Quem vai querer ser reabilitado para voltar a ter que cumprir jornada de trabalho, ganhando menos que o auxílio-doença, sem a fiscalização dos órgãos de controle, com real risco de demissão a médio prazo e desamparo pleno do Estado?

Reabilitar depende do interesse do empregador. Qual o estímulo que as empresas possuem atualmente para acolher trabalhadores oriundos de RP após longo período afastado? As cotas obrigatórias legais são preenchidas e nem todo RP gera diploma de deficiência. Que empresa vai trocar um novo trabalhador, carne fresca para ser triturado, por um já moído e remoldado? Qual poder legal que o INSS tem para atuar nessa empresa?

Reabilitar depende dos fluxos do mercado e de acordos com sindicatos. O INSS tem poder de interferir na taxa de câmbio, isenção de impostos, construção de infra-estrutura, acordos de exportação e relação sindical?

Reabilitar é qualificar. O processo de qualificação de um trabalhador começa na creche, avança pela escola, e ganha um importante salto na transição do ensino médio para o superior (MEC) ou técnico (MEC/MTB/Sistema "S"). Depois dessa etapa de estruturação formal educacional, o trabalhador vai ser habilitado/treinado em alguma atividade/função. Depois disso deverá por sua conta procurar uma ocupação/emprego. Esse emprego deveria ser fiscalizado pelos órgãos de controle para evitar abusos, adoecimentos, acidentes, sequelas (Alô Maria Maeno e sua inútil Fundacentro, alô MPT, MPF...).

O INSS só entra nesse círculo quando por algum motivo o trabalhador perde sua capacidade de trabalhar por doença. Não é porque está triste, desmotivado, porque o "contexto social" é desfavorável, como falsamente alardeam os progressistas de Brasília. É por DOENÇA, como a lei diz. E ao INSS cabe apenas o caráter COMPENSATÓRIO ou INDENIZATÒRIO dessa situação, pois a doença deveria ser tratada no SUS ou no sistema complementar (particular) por médicos com ou sem equipes multiprofissionais. Mas o SUS não trata nada e muitas vezes o sistema complementar, baseado em planos de caráter duvidoso, deixa a desejar.

Por que então o INSS lança todas suas esperanças em um processo de reabilitação na qual ele cumpre apenas um discreto e pequeno papel? 

Sim, existe uma necessidade de uma Política Nacional de Reabilitação Profissional, eu até mudaria o nome para Reabilitação Ocupacional, mas essa política é interministerial, pega do MEC ao Ministério da Ciência e Tecnologia passando pela Saúde, Trabalho, Indústria e Comércio, Agricultura, Sistema "S", sindicatos E também o INSS. Mas jamais deveria ser o INSS a conduzir ou normatizar esse processo, pois lhe falta , como autarquia, poder legal, preparo institucional e estrutura logística para tal.

E mesmo se o INSS conseguisse fazer sozinho o papel de mais de 10 ministérios (delírios da dupla Carneiro-Maeno), mesmo assim não seria o suficiente para resolver a crise do rombo.

As causas do rombo nos benefícios por incapacidade já foram longamente diagnosticadas neste blog. Abaixo uma lista sucinta feita anos atrás pelo colega Eduardo Henrique e atualizada por mim recentemente:

DIAGNÓSTICO DO ROMBO NO AUXÍLIO-DOENÇA 
1- Poucos peritos. Esvaziamento da categoria, dificuldade de fixação de quadros após longo tempo gasto em seu aprimoramento.

2- Excesso de Pedidos de Prorrogação e excesso de concessões de PP com prazos curtos e inviáveis a uma plena recuperação ("PPite")

3- SUS não trata no período razoável. Segurados esperam anos por tratamentos e em muitos casos adquirem sequelas devido à longa espera. Cubanos não tratam casos complexos. Só prescrevem dipirona, e errado.

4-Desempregados e autônomos não desejam largar o benefício, por motivos óbvios. O cálculo errado do auxílio-doença faz a pessoa receber mais quando "encostada" do que na "ativa", e com menos esforço.

5- Reabilitação Profissional não funciona pois faltam servidores, conceitos, estrutura e integração com outros setores da economia e educação. Empresas não são estimuladas e não se mostram interessadas, reabilitado teme voltar, perder o emprego e ficar no limbo.

6 - Sindicatos e trabalhadores são estimulados pelo mercado e pelo governo a preferirem o auxílio doença eterno e, eventualmente, aposentadoria, pois paga mais que o salário da ativa e rende votos a deputados e vereadores.

7-  Empregado em longo afastamento teme o retorno ao trabalho. Em muitos casos já acumula o benefício com algum bico e pode vir a perder ambos com o retorno à empresa. O retorno à empresa pode significar a tripla demissão: A do emprego formal, a do benefício e a do bico.

8- Permissividade e Má Gestão. Qualquer pessoa, segurado ou não, pode pedir auxílio doença quantas vezes quiser. Sempre será marcada uma perícia. A fila fica engessada e inicia-se o ciclo vicioso da espera pelo benefício que adoece ainda mais o trabalhador e gera vícios como a DCA. A marcação sem controle gera até 50% de abstenção entre faltas (25%) e remarcações por erros documentais (25%) - desperdício da capacidade instalada.

9- Boicote à carreira pericial. Fim das filas em 2009 prejudicou servidores que estavam acostumados a ganhar diárias em viagens a trabalho e deputados que viram desaparecer pedidos de eleitores para "ajudar a perícia". O perverso sistema político infiltrado na perícia decidiu atacar a carreira para a bagunça voltar, e conseguiram.

10-  O 135 não dá vazão à demanda, atende com pessoas despreparadas e dá orientações que são verdadeiros atentados à lei e incentivo à fraude, como o eterno papo de "pagar 4 meses", criando no cidadão expectativa indevida de direito, que descarrega sua frustração no perito e na APS.


11- Relação interpessoal tensa e autoritária entre chefes de agência e peritos médicos, com p
ressão por produtividade contrariando a autonomia profissional e interferindo nos laudos.
12- Peritos estão adoecendo, aposentando ou pedindo demissão em grande número. Ao sairem, migram para a "oposição" e usam suas forças para subsidiar ações contra o INSS, agravando a concessão judicial de benefícios, que já passou de 10% do total.
13 - Péssima infra-estrutura das APS, mais de 90% inaptas para o trabalho médico;
14- Ausência de conceitos bem definidos sobre incapacidade laboral por doença e reabilitação profissional, gerando uma miríade de condutas conflitantes país afora, sem esforço de uma padronização de conceitos, princípios, objetivos e metas. Cada um faz do jeito que quer.
15 - Desconhecimento da legislação vigente por boa parte do INSS.

Reparem que dessa longa lista, a reabilitação profissional é apenas UM dos itens que compõe a causa da crise nos benefícios por incapacidade.

Achar que atacar apenas UM desses 15 longos itens é resolver o problema é coisa de quem não está querendo resolver nada. Estão vendendo ilusões, apenas isso.

O INSS não resolve sequer os casos de benefícios indevidamente prolongados, a chamada "PPite", o que dirá o problema global do cidadão. O modelo proposto não ataca as causas de PP, logo, é inútil.

Tela do SABI, perícia de hoje, cidadão no 20º PP, desde 2007. Contando o B31 de 2005 a 2007 pelo meno motivo, já são 25 perícias (2 Ax1 e 23 PP) em 9 anos. O modelo novo proposto pelo INSS não vai atacar esse problema, pois não combate as causas do PP (leia aqui).

Enquanto os SST do INSS sequer conseguem barrar ou resolver casos como o acima visto, HOJE, imagina querer reabilitar milhões de aposentados por invalidez ou afastados há mais de 2 anos.

O que o INSS está "vendendo" como solução ao governo não passa de mais um factóide.

Para saber mais: 

8 comentários:

Marcelo Rasche disse...

Uma vez ouvi de um vascular, que tem pacientes com ulcera varicosa que ignoram o tratamento proposto para que a úlcera não melhore nunca, dessa forma continuando em benefício no INSS.

É plausível.

Eduardo Henrique Almeida disse...

Concordo com tudo, exceto que o auxílio doença seja indenizatório. Só o auxílio acidente é indenizatório, por isso admite uma tabela tipo barema.
Todos os outros benefícios são COMPENSATORIOS da renda de subsistência.

Firmino disse...

Brilhante e certeira colocação! Parabéns ao colega!

Firmino disse...

Brilhante colocação, colega! Parabéns!
O colega, Eduardo também se posicionou corretamente o que não diminui a contextualização do texto.

Francisco Cardoso disse...

Sim, vou atualizar no texto, apesar de não deixar de ser uma "indenização" o melhor termo é compensatório.

H disse...

Engraçado...mil fórmulas para devolver o "afastado" ao mercado de trabalho mas ao mesmo tempo um lobby enorme para o deferimento automático de um atestado médico dizendo que o sujeito é incapaz para o trabalho por X dias. Isso sem perícia com comprobatória? Onde a estatística pró-INSS vai fechar?

Eduardo Henrique Almeida disse...

Ressaltada a mera filigrana técnica, fica reforçado o conteúdo que deixa claro o papel da Previdência frente aos agravos à saúde dos trabalhadores: manter a capacidade de renda. Prevenção, reabilitação são interesse, mas não objetivo primário do Inss. Há outros órgãos, como destaca o Franciso, que existem para isso. Se estes funcionam mal, não será espelhando suas funções em outro órgão que se solucionará a questão. Redundância é desperdício.
O Estado é mal esteirado, mas, principalmente, mal organizado. Atuação interinstitucional ou multiprofissional não é todo mundo fazer de tudo. Saúde é SUS, educação é sistema S e MEC, fiscalização de ambientes de trabalho é MTE. Assim, se houvesse trabalho articulado na esfera federal eu até acreditaria em RP.

PauloVieira disse...

O INSS virou um grande elefante branco, muitas das suas atuais atribuições deveriam migrar para outros Ministérios.
A RP, por exemplo, poderia ser remanejada, através de Lei, para o Min.do Trabalho juntamente com um novo rótulo no benefício, benefício por incapacidade. Já o atual benefício auxílio doença, ou outro qualquer nome que viesse a receber, poderia ir para o SUS.
o Governo precisa ter muito cuidado com "propostas perfumaria", mirabolantes, sem consistência. Primeiro, terá de resgatar aqueles que mais entendem do assunto, os Peritos, devolver a estes o orgulho de usarem o brasão no peito para, em conjunto, arrumarem um rumo consistente e seguro para o INSS, paiol de pólvora á deriva em ano eleitoral e de copa do mundo.