domingo, 11 de novembro de 2012

CREMESP ASFALTA CAMINHO PARA A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA DO ENSINO MÉDICO E CRIA A "OPERAÇÃO URBANA CURSINHO DE MEDICINA"

Em 1994 o então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, decidiu "revitalizar" determinada região da cidade sob argumento de que precisava expandir áreas de moradia. Criou a "Operação Urbana Faria Lima", em uma região que misturava residências tradicionais e uma rede de escritórios em São Paulo. Em especial, fez os sistemas Ibirapuera-Ayrton Senna e o Sistema Água Espraiada (atual Avenida Roberto Marinho), ambas desembocando nessa região (Avenida Berrini, JK e Brigadeiro Faria Lima). Logo após essas obras, porém, o que se observou foi a venda de títulos especiais para construções acima do teto imobiliário (Cepacs) e a região ficou lotada de sedes de empresas e escritórios, basicamente dos setores econômico e midiático. 

A construção das avenidas e dessas obras viárias associado às mudanças da "Operação Urbana" fez do eixo Faria Lima a região mais valorizada de São Paulo e uma das 20 mais valorizadas do planeta. Tão valorizada que expulsou de lá os habitantes que tiveram suas casas trocadas por grandes e espelhados edifícios comerciais. A força dessa valorização foi tamanha que essa região roubou da Avenida Paulista o título de eixo econômico do município paulista.

Tal mudança, porém, ao invés de revitalizar e habitar a região, na prática a matou urbanisticamente pois de dia ela fica superlotada pela população empregada flutuante economicamente poderosa com seus carros superlotando as apertadas ruas que fazem a malha da região e de noite ela fica deserta sem uma alma viva andando por suas calçadas, sendo tão perigoso andar por lá à noite que até bandido tem medo de ser assaltado.

A "Operação Urbana Faria Lima", na verdade, foi um golpe para usar recursos públicos para fazer o maior projeto de especulação imobiliária da história recente desse país. Ao invés de revitalizar, expulsou a população residente e criou os metros quadrados mais valorizados do país naquele solo.

Em 2005, o Cremesp decidiu "revitalizar" o ensino médico sob argumento de que as escolas de medicina não estavam formando adequadamente os profissionais que diplomava. Criou a "Prova do Cremesp" que consistia em uma avaliação optativa de conhecimentos básicos oferecida aos alunos graduados. Sempre sofrendo boicote das escolas mais tradicionais e com histórico de melhor formação (e não à toa mais politizadas) o Cremesp anunciava com estardalhaço o baixo índice de "aprovação" nesses testes, que por Lei eram apenas um estudo já que não poderiam impedir o mesmo de licenciar os doutores para a prática médica.

A tática de fazer provas sem valor legal e sem obrigatoriedade mas com ampla repercussão dos resultados negativos fez do Exame do Cremesp um sucesso midiático que a todo ano era colocado na mídia de forma bombástica, sempre com os argumentos pró e contra de sempre. Ensaiou-se inclusive na mídia a criação de um ranking, abortado pelo boicote das mais tradicionais (USP, Unicamp, Unifesp e Unesp).

O exame, porém, não conseguiu fazer nada na prática pois pelo o que vimos as notas continuam ruins e o índice de reprovados "alto". Mas conseguiram convencer a sociedade não esclarecida de que a solução para  a má formação dos médicos era essa prova.

Agora o Cremesp implanta a obrigatoriedade da feitura da prova, mesmo sem valor legal. Se pode fazer isso ou não é para a Justiça resolver. Mas o objetivo claramente é driblar o boicote das "grandes faculdades" e pavimentar o caminho para o próximo passo: Tornar o Exame do Cremesp obrigatório para concessão do registro (CRM) de licença para exercício da profissão. 

Isso parece ser tão importante para os organizadores que um conselheiro chegou às raias do absurdo falando em "ficha-suja" e ameaçando os formandos que resolvessem boicotar o exame marcando "B" em todas as questões, uma ameaça completamente desprovida de sustentação legal ou ética.

Assim como o "Operação Urbana Faria Lima", o "Exame do Cremesp" dificilmente convencerá aos críticos de que surgiu por necessidade social. Se a Operação Faria Lima do Maluf serviu para a especulação imobiliária, o Exame do Cremesp serve (quer queira o Conselho ou não) para a especulação educacional. 

Esse tipo de exame só favorecerá aos donos de cursinhos médicos e poderá ter o revés de transformar as escolas médicas em meras "escolas de cursinho" com o único objetivo de fazer seu aluno passar no curso. Abandonam-se as aulas práticas, os treinamentos em anatomia, em campo, em ambulatório, pois o importante é passar naquela prova única de conhecimentos teóricos que será dada pelo conselho ao final do curso.

Essa prova do Cremesp, se fosse eliminatória para obtenção do CRM, criaria no país uma figura inexistente: a do bacharel em medicina. O formando em direito (bacharel em direito) para ser advogado precisa passar no exame da Ordem dos Advogados (OAB) que segue critérios mercadológicos e todo o ano reprova 85% dos que se submetem ao teste. Porém um bacharel em direito pode ser várias coisas além de advogado: Pode ser Juiz, Promotor, Procurador, Delegado de Polícia e outras carreiras que exigem esse diploma. Ou seja, pode ter uma carreira sem o OAB.

Mas o médico só pode ser médico. Se ele tiver um diploma na mão mas for impedido de exercer a medicina, ficará num limbo jurídico e trabalhista difícil de resolver: Tem o diploma mas é impedido de trabalhar. Além disso poder gerar uma onda de ações judiciais (onde muitos colegas médicos que também são advogados serão procurados, muitos destes inclusive são diretores de entidades médicas) essa situação sui generis impactará onde menos devia, na população mais pobre.

Entre ter um brasileiro diplomado sem o CRM e um pajé ou estrangeiro ilegal, quem você acha que as secretarias de saúde do interior despovoado irão contratar? Ou alguém aqui acha que o poder regulatório do CRM consegue abraçar toda essa nação?

Sem o CRM e tendo que trabalhar escondido e ao mesmo tempo já longe da faculdade, esse médico "pela metade" ficará desprovido de acesso aos programas de educação continuada, requalificação e até mesmo de pós-graduação formal, ou seja, não aprendeu e será proibido de tentar aprender pois o CRM o jogará no limbo, na sarjeta da sociedade, tendo que se esconder para trabalhar e com isso sem poder ser qualificado ou requalificado. Não poderá fazer um ACLS, um curso de sociedade, um ATLS dentre outros exemplos. E será esse o "médico" que atenderá a população mais pobre, que ficará à mercê de sua conduta enquanto o mesmo tenta desesperadamente pagar rios de dinheiro a cursinhos para poder passar na prova.

O modelo proposto pelo Cremesp não serve à população e sim ao mercado financeiro. Não serve aos médicos e sim à especulação educacional. Não serve à medicina e sim ao empresariado em saúde.

O Cremesp extrapola suas atribuições e inclusive age contra sua própria missão, ao propor um modelo que tornará a medicina mais vulnerável por criar a categoria de "bacharéis de medicina", categoria essa que vagará autônoma feito zumbi país afora, seja sustentada por liminares, seja sustentada pela oferta não preenchida de vagas no interior pobre.

Sou extremamente favorável a exames de avaliação do curso médico. Mas esses exames tem que ser conduzidos pelo MEC, não por conselhos de medicina que possuem em seus quadros, inclusive, diversos professores de faculdades públicas e particulares. Talvez por isso o Cremesp não gaste a mesma energia com a qual defende o teste, em combater a proliferação de escolas médicas no país, essa sim uma das causas da má formação.

E esses exames de avaliação tem que ser feitos ao longo do curso médico, e não apenas no fim. E tem que ser feitos antes da diplomação, e não depois. E quem não passar nos exames não deve ser diplomado, tendo que ficar na faculdade para ser requalificado e não solto com diploma sem preparo. Isso sim é avaliar ensino médico.

Se o Cremesp insistir nessa estratégia, que ao menos seja coerente com o que propõe:

1) Que obrigue todos os médicos de São Paulo a fazer esse exame, inclusive os que já tem CRM.
2) Que impeça que conselheiros e delegados participem de cursinhos médicos de qualquer natureza ou que lecionem em faculdades que serão avaliadas por esse exame.
3) Que ofereça uma alternativa aos médicos que forem reprovados.
4) Que impeça que conselheiros e delegados que também são advogados atuem em causas envolvendo médicos não aprovados por esse teste.


O resto é pura demagogia e criação de pretextos para a proliferação de cursinhos para o exame de "ordem" da medicina. Ou seja, estão construindo as avenidas "água espraiada" e "ayrton senna" da especulação educacional médica.

3 comentários:

Paulo Taveira disse...

O x da questão é proibir os " conselheiros " de serem os professores dos cursinhos e das novas faculdades. Excelente ponto de vista!

Paulo Taveira disse...

A foto do consultório do colega finado J.R.-morto em serviço- ficou bem melhor que a Fênix e que o cérebro! Dez!

Pedro disse...

O mais importante é conter a proliferação de escolas médicas, não adianta criar prova da ordem.