quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ética na Pericia Médica - Entrevista Dr Tabacow

Última atualização: 21/07/2011

Queixas são recorrentes no Instituto Oncoguia e diretor jurídico aconselha relatar desrespeitos; Perito-médico fala da responsabilidade de atuar nessa função

É comum o Instituto Oncoguia receber reclamações de pacientes sobre a postura médica no ato da perícia do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Todas sempre com o mesmo teor: indiferença ou desrespeito do médico.
De acordo com o perito-médico previdenciário, Dr. Miguel Tabacow, diretor da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social, “o paciente, quando vai a uma perícia, esquece que aquele não é o seu médico e exige, do perito, a mesma relação médico-paciente que ele tem com seu especialista. E isso não é assim”.
Para o médico, os peritos são muito mal vistos por conta dessa confusão. Além disso, segundo ele, a maioria das pessoas não entende que eles estão ali num papel muito delicado: de liberar dinheiro público.
“Lidamos, todos os dias, com casos de pessoas que querem dar golpes na previdência. Além disso, o segurado também não leva todos os documentos pedidos.” (Veja, aqui, lista de documentos necessários).
Entretanto, a maioria dos pacientes (aqueles que realmente precisam) sofre com o descaso de alguns peritos no ato da consulta. Para se ter uma ideia, Arlete Aparecida Camargo Motta Olivé, relata, no Oncoguia, o constrangimento que passou com sua mãe, paciente com linfoma e melanoma, em perícia realizada no dia 3/06/11.
“Nossa senha era a P0078 e a sala de exames número 47. O médico que nos esperava não se apresentou e também não possuía nenhum crachá de identificação, disse que a porta ficaria aberta, pois a sala pequena não comportava direito a cadeira de rodas. De início pediu a carteira de identidade para conferir os dados no monitor do computador e logo em seguida os documentos que comprovassem a situação de saúde da minha mãe. Apresentamos primeiro o resumo de alta hospitalar da última cirurgia. Assim que pegou o papel nas mãos, o médico, exaltado, disse que aquele papel não servia para nada, pois ele não entendia a letra da médica, que considerava um absurdo e um desrespeito com os colegas, por parte dela, que inclusive tinha o CRM há mais tempo que ele. O homem me devolveu o documento e pediu para que eu o lesse para ele. Tive dificuldade em ler todas as palavras, mas dava para entender qual tinha sido o procedimento cirúrgico.Mesmo assim, o doutor dizia, nervoso, que não tinha jeito. Que teríamos que voltar um outro dia. Foi então que comecei a mostrar todos os outros papéis que estavam conosco, inclusive o pedido de encaminhamento a quimioterapia, pois o médico agora nos dizia que precisava provas de que minha mãe tinha câncer. Questionei essa afirmação, perguntando se mesmo com o encaminhamento à quimioterapia ele desconfiava que não fosse câncer. Ele respondeu que aquele papel poderia ter sido forjado e que em qualquer esquina eu conseguiria um encaminhamento para quimioterapia no meu nome. Inclusive afirmou também que todos os documentos que estávamos apresentando poderiam ser falsos. E balançando o papel na altura do rosto, disse, que aquele processo envolvia dinheiro e o nome dele; e que muitas pessoas eram golpistas.” (Agência da Previdência Social, localizada a Rua Coronel Xavier de Toledo, 290, na região da Praça da República, no centro da Cidade de São Paulo)

Com todo esse constrangimento, Arlete resolveu que iria denunciar o médico que logo foi tentando ajustar a situação. Foi buscar sua supervisora e, depois de 30 minutos, chegou para, segundo Arlete, prestar o atendimento que lhe era cabido.

“Dra. Rejane examinou minha mãe e indicou ao Sr. Eduardo as cicatrizes das duas cirurgias, salientando inclusive que na segunda ainda havia pontos, estava um pouco infeccionada e que o curativo feito sobre as incisões do dreno, retirado um dia antes, ainda vazava. Emocionamos-nos, durante a perícia executada pela médica supervisora, pois ela agiu como o esperado. Educadamente, atenciosamente, gentilmente. Comunicou-nos que deveríamos apresentar apenas mais um documento (a biópsia da última cirurgia) para que a solicitação do benefício ficasse completa. Recomendou que minha mãe fizesse repouso e que o documento faltante poderia ser entregue na agência, por outra pessoa, poupando-a assim de mais uma saída de casa, sem necessidade. Voltamos para casa, com parte do problema resolvido, mas profundamente abaladas e com um sentimento de revolta, que contagiou a todos os outros membros da família e amigos, quando souberam do tratamento recebido por nós por esse médico.”

Tabacow afirma que os peritos são regidos pelo Código de Ética Médica e atendem como tal. Sobretudo, quando o assunto é benefício do INSS. “Estamos ali para validar ou não um direito e não ter uma relação de afetividade com o paciente.” Entretanto, afirma que o procedimento tem de ser com total cordialidade e respeito, como pede o próprio Código de Ética.

Para Tiago Farina Matos, diretor jurídico do Instituto Oncoguia, situações em que o médico perito age com desrespeito ou pouco-caso devem ser relatados. “Dentro do próprio posto do INSS tem uma ouvidora onde se pode fazer a queixa. Se o paciente não quiser fazê-la no mesmo momento, pode ligar no 135 ou acessar o site da Previdência (http://www.mpas.gov.br/)” .

O segurado também pode fazer sua reclamação direto na Comissão de Ética Médica que existe em alguns postos da previdência. Na capital paulista, por exemplo, a comissão fica em quatro agências do INSS: na Vila Mariana (Sul), no Tatuapé (Leste), no Centro e na Lapa (Norte). O órgão deve analisar os problemas e, quando necessário, procurar as soluções do caso.

Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia, diz que é muito importante a denúncia de casos como este. “Por mais que seja desgastante é de suma importância denunciar atos praticados por alguns peritos que atentam contra a dignidade dos pacientes. Vale lembrar que esses médicos são remunerados pelo governo para que atenda o paciente, que necessita do benefício, com respeito. Nada pode afetar a dignidade humana e a mudança deste comportamento só acontece com a manifestação da sociedade”, finaliza.

O bom perito é aquele que...

Não lhe julga;
Lhe atende com cordialidade;
Lê seus documentos com paciência;
O examina com respeito para verificar a patologia;
Conversa com o paciente durante a consulta;
Estabelece um relacionamento com o paciente durante a perícia;
(fonte: Código de Ética Médica)

O bom paciente é aquele que...
Leva todos os documentos necessários para a perícia;
Não impede o exame clínico do médico;
Não tenta forjar uma situação para conseguir o benefício;
Questiona o perito caso não concorde com sua postura;
Relata o abuso do médico às autoridades.

Um comentário:

Vandeilton disse...

Concordo plenamente com o tal diretor jurídico do oncoguia.
.
O mal perito tem que ser denunciado mesmo, pois ele suja o nosso nome.
.
Agora, às vezes o perito diz algumas coisas não no sentido de agredir, mas no de explicar seus motivos em aceitar ou não um documento.
.
É o caso do perito em questão.
.
Faltou-lhe jeito para dizer o que queria, sem acusar ou desrespeitar.
.
Também acho que os detalhes que causaram a confusão, apesar de serem uma constante em nossa rotina pericial, não deveria serem explicados ao segurado, pois ele não entenderá como queríamos que entenda.
Parece-me lógico que ele vai se sentir ofendido ao ser comparado como um possível fraudador. Qualquer um, no lugar dele, se sentiria.
.
Nem tudo que é certo, é certo de ser falado. Às vezes devemos cultuar o silêncio.