sábado, 21 de abril de 2012

SOBRE DII E AGRAVAMENTO - Uma questão de fé


Uma das questões mais difíceis envolvidas na análise do requerimento de benefício por incapacidade é, sem dúvidas, a instituição da Data de Início da Incapacidade (DII) e do “Agravamento”. A DII, no seu conceito mais simples, seria a Data desde a qual o trabalhador se tornou incapaz para a atividade. Esta data é tão importante que a colocação de um único número diferente, para mais ou para menos, pode anular, tornar sem efeito o laudo pericial inteiro. Da mesma forma, pode por todo esforço do segurado em provar sua incapacidade (laudos, exames, receitas, comprovações e declarações) a perder. Outrossim, ela pode fazer com que um benefício por incapacidade indevido seja recebido por meses até que alguém perceba e tente corrigir o erro à custas de grande conflito jurídico e administrativo. Tamanha é a complexidade que juntas de peritos especializados e experientes, por vezes, divergem ou não conseguem estabelecê-la cientificamente. Sim, certa vez ouvi que o esforço para encontrar, estabelecer e certificar uma DII adequadamente corresponde, no mínimo, a 50% do necessário para todo o laudo médico. Por vezes o perito perde mais tempo pensando na DII do que na Conclusão e Fundamentação do Laudo Médico. A importância é tanta que a partir dela o INSS calcula o valor do recebimento do próprio benefício. Exatamente sem DII, sem Benefício. E além, ela determina o que considerado pode ser pré-existente ou não. Ela é o marco inicial do qual todos os desdobramentos são dependentes. A DII é como um diagnóstico médico. Uma vez errada, tudo errado.

Em uma ampla discussão local concordamos que só pela auditoria da DII instituída e sua justificativa, pode-se analisar a própria competência do perito médico independente de outros parâmetros. De alguma forma, um laudo de má qualidade técnica, mas com a DII correta causa muito menos prejuízo que um laudo bem feito tecnicamente com a DII errada. Exato. A DII exerce um domínio supremo na avaliação do desempenho do médico. É importante também explicar que a DII tem conceito diferente de DAT (data de afastamento do trabalho). Ou seja, o perito pode divergir da empresa, assistente e trabalhador sobre a data em que se tornou incapaz. Claro, desde que documentado. Isso é importante para detecção de fraudes. Por exemplo, há casos onde um trabalhador estaria internado na UTI no mesmo dia em que um documento da empresa disse que ela esta trabalhando. Noutros ele foi contratado 48horas depois que teve um AVC grave.

Inserido na DII está a situação do “agravamento” do quadro clínico, parte macia, a brecha do sistema, instituído pela própria lei a fim de perfurar a barreira imposta da pré-existência (quando se paga depois de incapaz a fim de se beneficiar por má-fé) e tornar mais justo e maleável o recebimento do benefício. No íntimo da questão, a força da lei tenta preservar o elemento da boa-fé mútua (decore e se lembre desta palavra) presente sempre nos contratos segurado X seguradora. Considerando a imprevisibilidade natural as doenças crônicas. Considerando a ciência médica que não tem controle sobre as doenças na maioria dos casos apesar de todas as medidas instituídas. Por fim, a análise do Agravamento não teria sentido se considerasse o que previsível, inevitável ou curso natural. Esse é o ponto duríssimo da análise.

Por exemplo, eu, que nunca contribu,í descubro uma doença, recebo o diagnóstico, e desde já tenho indicação de tratamento cirúrgico a realizar com brevidade. Sabendo disso, sou orientado a começar a pagar o INSS para quando for cirurgiado esteja acobertado (houve má-fé minha). Agora imagine se descubro uma doença que não possui diagnóstico, ou suspeita forte patologia grave, ou qualquer indicação de cirurgia no momento, ela está sob investigação. Decido começar a pagar. Infelizmente foi indicada a cirurgia para mim - depois da pagamento (houve boa-fé minha). Observe que a boa ou má-fé é essencial instituir a DII e para caracterizar o “agravamento”. Como descobrir se houve ou não? Dureza eu concordo, mas isso é parte do nosso complexo trabalho.

Há dezenas situações e discussões profundas sobre isso. Uma conhecida, por exemplo, são os casos de neoplasias malignas. Situação comum: O Câncer de Mama. A DII é instituída na data em que se descobriu o nódulo endurecido? Na da USG com sugestão de Câncer? Na da mamografia com sugestão forte de câncer? Na da biópsia do nódulo (quando pela primeira vez se tem certeza absoluta que se trata de câncer)? Na data em que a trabalhadora se afasta (lembrando que pode ter sido contratada depois da biópsia apenas para ser aposentada pelo INSS)? Ou na data da mastectomia radical? (qualquer uma pode levar a um resultado administrativo diferente). Exatamente por isso a análise de cada caso é individual. Por isso pessoas com a mesma patologia podem ter resultados diferentes e por peritos diferentes – por vezes até o mesmo perito pode decidir sobre o mesmo caso diferentemente depois de observar com mais detalhes.

Sobre agravamento. Por exemplo, alguém que está inconsciente, em ventilação mecânica e dependente de drogas vasoativas no CTI e precisa de uma cirurgia, é agravamento? Alguém que tem cardiopatia grave dilatada e sofreu um Infarto do Miocárdio, é agravamento? Alguém que é esquizofrênico e teve mais de 10 internamentos, no 11, é agravamento? Ou seja, existe o conceito ainda mal definido administrativamente e juridicamente de “invalidez sobreposta”. Alguém que já é inválido pode se tornar ainda mais inválido? A quantidade de situações e opiniões é tanta que não haveria outra possibilidade senão o conflito quando se trata de matéria de incapacidade. Ser perito é ainda mais complicado do que parece ser.

4 comentários:

Snowden disse...

Assim como todos tem que pagar impostos por ser contribuinte desde o nascimento, também todos deveriam pagar o seguro desde o nascimento! Desta forma o golpe dos 4 meses não aconteceria assim como o problema para estabelecer a DII! Isso seria uma solução num Estado Paternalista!

Eduardo Henrique Almeida disse...

Pois é, o perito tem que julgar se há incapacidade, o que não é fácil. Depois tem que estabelecer desde quando e até quando. Sem dúvida, uma atividade complexa, longe de ser copiador de atestado com trabalho cartorial. como pensam os especialistas em desqualificar o que é de nível superior ao seu.

Francisco Cardoso disse...

Falou tudo, Eduardo.

Marcos Henrique Mendanha disse...

Belo post, Heltron!
Parabéns.
Abraço.