segunda-feira, 19 de março de 2012

CAPACIDADE/INCAPACIDADE, VELHO DILEMA

A perícia médica previdenciária se aprimora com o tempo e sofrimento, com os concursos e com as exonerações, com o peleguismo e a perseguição política, tanto externa quanto interna. O aprimoramento a que me refiro é sobretudo dos seus conceitos, cada vez mais desimpregnados da formação assistencialista dos peritos médicos e cada vez mais próxima da medicina legal, especialidade melhor compreendida como mater da perícia médica.


Ocorre que perícia médica previdenciária vai ainda mais além da medicina legal para, após todos os passos que constituem a boa períca médica, culminar em uma sentença: há ou não há capacidade de trabalho. É na gravidade dessa deliberação que reside a nobreza maior da carreira de Estado, o julgamento de direitos previdenciários, muitas vezes definitivos sobre os destinos de trabalhadores e contribuintes.

Cabe discorrer sobre os passos da boa perícia e sobre o julgamento capacidade/incapacidade.

Uma boa perícia médica previdenciária precisa se libertar da terminologia assistencial que, ainda hoje, consta do sistema SABI. Isso é fundamental para compreender-se e fazer compreender seu papel. Termos como anamnese, história, exame físico, resultado, parecer, exames complementares são impróprios e os laudos médico-periciais precisam passar a ter uma nova estrutura:

1-Identificação (nome, NIT, RG, CIC, idade, profissão, tarefas e atividade, história contributiva etc)
2-Alegações de requerente.
3-Elementos probatórios (exame físico, manobras semióticas, exames complementares, pareceres, sumários de alta, prontuários, PPP etc)
4-Análise (aqui a fundamentação que sustenta a conclusão por integrar os elementos colhidos com os fundamentos médicos e com a legislação vigente)
5-Conclusão (sentença ou julgamento do perito que acumula a função julgadora do valor capacidade laboral)


Sob essa nova estrutura, desde que se retire a limitação de 2.000 caracteres do SABI, o julgamento médico pericial poderá reafirmar seu matiz constitucional de legalidade, tal como prevê o Art 37 da Constituição. Capacidade/incapacidade não são e não devem parecer opinião, são julgamento de valor sobre bases fundamentadas (médicas e legais) que o perito precisa expor em seu laudo.

Capacidade é pois um conjunto de atributos, alguns objetivos e muitos outros subjetivos. Para dimensionar capacidade a ponto de sentenciar sua existência ou sua inexistência parte-se da constatação da doença ponderada pelas co-morbidades, idade, possibilidade de RP, acesso a tratamento, situação trabalhista, contexto social, enfim, tudo aquilo que integra o núcleo da saúde do Art 3o da Lei 8080. A descrição de todos os aspectos na análise que integra o laudo fundamenta a incapacidade que constará na conclusão, por vezes decorrente de uma doença relativamente simples, porém influenciada por diversos fatores agregados.

Assim, ao contrário da visão simplista e desqualificadora de muitos integrantes do governo, perícia médica previdenciária não é a cópia do atestado do assistente, não é procedimento passível de realização relâmpago. Trata-se de apuração de direitos e julgamento de valor; de ordenamento de despesas públicas, de preservação do patrimônio coletivo contra dilapidação indevida. Perícia médica previdenciária requer profissionais altamente qualificados, detentores de conhecimentos médicos e jurídicos, comprometidos com a defesa dos direitos individuais e coletivos.

11 comentários:

Francisco Cardoso disse...

Perfeito, Eduardo, apenas com uma correção, como nos baseamos em dados reais para a tomada da decisão, fazemos juízo de realidade, e não de valor.

HSaraivaXavier disse...

Muito bom tópico meu caro Parabens!

Paulo Taveira disse...

Excelente Eduardo! Inclusive passarei a fazer esta formatação quando assistente técnico ou perito judicial. Obrigado pela contribuição.

Eduardo Henrique Almeida disse...

Quisera fosse juízo de fato, haveria muito menos polêmicas e desacordos.
A separação entre juízo de fato e juízo de valor, ou seja, entre, de um lado, o conhecimento e, do outro, a moral e a ética, nem sempre é fácil e é crucial reconhecer a superposição entre esses dois terrenos.
O próprio conceito de saúde, discutido por Segre, M. & Ferraz, F.C., refere-se ao juízo de valor presente na rotulação das doenças psiquiátricas. Na verdade sabe-se que saúde é um construto social. Se assim o é, o que não dizer da capacidade, conceito individualizado e multifacetado?

Francisco Cardoso disse...

Na ciência, podemos começar com um juízo de valor, a nossa convicção pessoal, mas só podemos emitir laudo respaldado por provas materiais, eis ai se forma o juízo de realidade. talvez na psiquiatria o juízo de valor seja mais forte, por faltar a materialidade em muitos casos.

Eduardo Henrique Almeida disse...

Tá bom, Chico

Eduardo Henrique Almeida disse...

Ah, não falei em convicção pessoal em nenhum momento.

Francisco Cardoso disse...

Mas todo juizo de valor envolve uma convicção pessoal. Por exemplo: "Odeio o Cruzeiro e o Corinthians" -> Questão de opinião, juízo de valor.

Eduardo Henrique Almeida disse...

Valor é um bem metafísico que se tem ou se almeja, um "dever ser ideal". Não se trata de discutir preferências nem questão de opinião. Há ampla literatura sobre o tema. Uma delas é o livro "Teoria dos valores jurídicos", de Glauco Barreira Magalhães Filho que, na pg 174 escreve: "valores pertencem a uma dimensão transcendente". Aí é que se situa a "capacidade laboral".

Kant, no seu "Crítica da razão pura" ensina que "um médico, um juíz, ou um publicista podem ter em suas mentes magníficas regras patológicas, jurídicas ou políticas, a ponto de parecerem ter uma ciência profunda, e, no entanto, falharem com a maior facilidade na aplicação dessas regras; ou porque lhes falte o julgamento natural, sem faltar-lhes, por isso, o entendimento, e que, se eles vêem bem o geral 'in abstratcto', são incapazes de decidir se um caso está aí contido 'in concreto', seja porque não estão exercitados nesta espécie de julgamentos por exemplos e negócios reais'. O perito que pensa dominar a ciência dos fatos errará muito.

Snowden disse...

Bem Comadres, cada um pensa de um jeito!
Na avaliação pericial há julgamento de valor ainda que inconsciente, por exemplo:
Será que ele esta falando a verdade?
Será que ele esta exagerando?
Será que ele faz o que faz?
Por que não trouxe o PPP?
Por que não trouxe ASO?
Etc etc
Se pensou, ta julgando valores morais...

H disse...

Dica:
http://www.ssa.gov/disability/professionals/bluebook/adultlistings.pdf