segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A SOCIEDADE BRASILEIRA PRECISA HUMANIZAR SUA RELAÇÃO COM SEUS MÉDICOS.

O que os senhores achariam se eu defendesse que empregados domésticos estivessem disponíveis 24h por dia, não tivessem direito a comer, almoçar e jantar em horários regulares, nem mesmo viajar ou curtir seus filhos? E que não podem errar, senão serão condenados e execrados publicamente?

E o que achariam se eu defendesse que os domésticos e os bancários não poderiam cobrar pelos seus serviços, já que são importantes para a sociedade, e que eles deveriam ver o lado "social" do trabalho deles pois se quisessem ficar ricos que mudassem de profissão já que esta não foi feita para "mercenários"?

Bom, a essa altura eu já estaria preso, mas antes disso eu também tive tempo de defender que, apesar de não poderem ter vida própria, se alimentar, cobrar pelo trabalho feito e estarem sempre sorridentes para o atendimento, que eles sequer poderiam determinar como trabalhariam, pois isso seria a cargo do Estado, e que apesar de trabalharem de graça, não poderiam sair com um pãozinho da padaria sem pagar por ele?

Gostaram? O que acham que eu sou? Já devo estar sendo chamado dos piores nomes possíveis. Agora vamos trocar a palavra "empregado doméstico" e "bancário" por "médico". Mudou alguma coisa?

Para a sociedade brasileira sim. Muda muito. Recentes pesquisas mostraram que, para a sociedade brasileira, o "bom médico" tem que ter esse perfil:
 
- Estar disponível 24h por dia sem se queixar.
- Não cobrar pelo serviço, ou se for cobrar, que seja barato, pois não pode lucrar com a saúde dos outros.
- Deve estar sempre atualizadíssimo. E tem que pagar os congressos com dinheiro próprio, claro.
- Não pode errar. Nunca.
- Não pode fazer o paciente esperar para ser atendido.
- Mas quando o paciente for atendido, tem que ser tratado com todas as honras e esperar o paciente falar tudo, sem pressa, por horas se necessário.
- Não pode se queixar nunca e deve estar sempre limpo, asseado e sorridente.
- Mas não pode fazer o paciente esperar por estar no banho, almoçando ou jantando.
- Não pode viajar sem "deixar um suplente" para caso o paciente precise.
- Ninguém quer pagar o médico mas também não dão desconto ao médico em seu respectivo comércio.
 
 
Exigências que seriam consideradas caso de polícia em outras profissões são consideradas "aceitáveis" quando se trata de médicos. Isso mesmo.
 
A revolução cultural que estamos vivendo nos últimos 50 anos, associado a dezenas de fatores a qual não detalharei agora, fizeram a população crer que não apenas a saúde é seu direito, mas "ter o médico" a sua disposição também é um direito, e que não devem pagar nada por isso, nem lutar por esse direito, muito menos cuidar dos que cuidam deles ao adoecer.
 
A forma mais abjeta desse pensamento vem quando se associa o salário/lucro do médico a algo "pejorativo, feio, sujo" por estar lidando com doenças, "deveria ser de graça", "absurdo", dizem. Esse sofisma está no fato de se associar o trabalho médico à mesma obrigação imposta ao Estado pela Constituição e que por "ser obrigação" que o médico não deveria receber nada por sua atuação.
 
Grande erro. A obrigação de manter a saúde de todos em dia é do ESTADO BRASILEIRO, não de um médico individual. É o Estado que tem que fornecer meios e profissionais para valer esse dever constitucional, e não o médico, pessoa física, sacrificar sua vida para fazer o que o Estado rico e corrupto não quer fazer.
 
Abrir mão de sua vida para se doar aos outros é um ato de altruísmo. Um ato de heroísmo. Não pode ser imposto a um coletivo. Igual a esmola. Altruísmo, heroísmo e esmola só fazem sentido se forem atos voluntários. Se forem atos obrigatórios, esmola vira tributo e altruísmo em dever. Perde o sentido e cria uma exploração.
 
Medicina não é sacerdócio. Medicina é uma profissão e como tal deve ser tratada. O chamado "compromisso com o ser humano" é uma bandeira que todas as profissões devem ter, até a das meretrizes e coveiros. Médico é um trabalhador como qualquer outro e seus legítimos anseios de prosperidade devem ser respeitados como os são para qualquer outra categoria na atual sociedade capitalista onde isso é permitido.
 
No dia em que eu for procurar um médico, vou querer que ele esteja limpo, atualizado, disponível e que seja eficaz, claro. Mas para isso eu também vou querer que ele esteja alimentado, sem problemas externos que possam atrapalhar sua atuação, descansado, calmo e, principalmente, bem remunerado. Se não por mim, diretamente, pelo Estado que suga metade do que produzimos anualmente.
 
Pense nisso da próxima vez que você "exigir" gritando que o médico que está atendendo uma pessoa no posto pare tudo para "lhe atender imediatamente".
 
A sociedade brasileira trata seus médicos como se fosse escravos. Não são. Fala-se em "humanizar a medicina", desculpa esfarrapada para trocar a medicina oficial por algo mais barato. Porém achamos que, diante dessas "opiniões" medidas em pesquisas, é a sociedade que precisa "humanizar" suas relações com seus médicos.

3 comentários:

Unknown disse...

Excelente texto. Conseguiu expressar em palavras o sentimento de muitos médicos e tb de outros profissionais de saúde. Parabéns!

H disse...

O status atual é de hipocrisia ditatorial. A grande esquerda coxinha-caviar quer ter o maior luxo, transformar pessoas que lutam em escravos e ainda, pasmem, acreditar que uma estrutura assim vai perdurar com qualidade e eficácia. São nauseantes pessoas que acham que seu serviço vale muito e o dos outros nada. Todo mundo é burguês explorador menos eles. Visto uma patricinha já idosa, que em SP veste Armani mas prega a divisão dos bens, duramente conquistados, menos os dela é claro. Idem ao seu ex, fruta tropical disfarçada de inocente...

Francisco Cardoso disse...

Dizem que essa fruta tropical será devidamente "serrada" em 05/out